Sorry, this entry is only available in Brazilian Portuguese. For the sake of viewer convenience, the content is shown below in the alternative language. You may click the link to switch the active language.

STF retoma hoje discussão sobre um caso de 1958. O entendimento dos ministros pode abrir precedentes legais para outras situações

Em 14 de julho de 1958, a jovem Aída Jacob Curi foi agredida até desmaiar durante uma tentativa malsucedida de estupro. Ela morreu depois que os três criminosos a atiraram de um prédio na capital fluminense, para simular suicídio. Em 2004, o extinto programa Linha Direta, da TV Globo, reconstituiu o caso e o pôs no ar. Por essa razão, os parentes de Aída acionaram a Justiça do Rio de Janeiro contra a exposição do caso e pediram ressarcimento por danos e lesão à imagem deles.

Os familiares argumentam que “o tempo se encarregou de tirar o tema da imprensa”, mas ele tem provocado dor ao ressurgir 46 anos depois. E que, além de explorar a imagem da vítima e de pessoas próximas, não foi solicitada autorização para tal. Contudo, a defesa teve o pedido negado. O juiz de primeira instância entendeu que o programa não veiculou “insinuação lesiva à honra ou imagem da falecida e à de seus irmãos ou qualquer outro membro da família”.

O Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão. No entanto, os familiares recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF), que retoma as discussões nesta quarta-feira, 3, depois de adiar os debates por algumas vezes. Conforme a TV Globo, o programa era um documentário “que abordou fatos históricos e de domínio público, composto de imagens de arquivo e de material jornalístico da época, focalizando fatos já intensamente divulgados pela imprensa”.

Impactos

Daniel Gerber, advogado criminalista com foco em gestão de crises e compliance político e empresarial, afirmou a Oeste que, a depender de como a Suprema Corte vai decidir sobre esse assunto, pode ser que outras pessoas venham a requerer o mesmo benefício futuramente. “A partir do momento em que alguém adquire uma imunidade contra o passado, estamos abrindo uma porta para que qualquer um assim o faça”, alertou.

Para o especialista, ainda que os juízes do Supremo decidam conceder o direito ao esquecimento à família Curi, dificilmente ele será posto em prática. “O Direito não cria fatos, ele tenta limitá-los. A vida real sempre ultrapassa a pretensão jurídica. Criar um direito ao esquecimento não significa que ele será respeitado, sobretudo na internet. A pessoa pode, por exemplo, tirar print [fazer uma cópia] e continuar espalhando. Caiu na rede, é peixe”, opinou Gerber.

Pelo potencial de impactar plataformas de busca, o Google foi autorizado pelo relator da ação, ministro Dias Toffoli, a participar do processo como integrante do debate. A empresa defende a ideia de que os magistrados do STF não reconheçam a garantia como um direito autônomo no ordenamento jurídico brasileiro. “Como se procurou demonstrar, a figura não encontra respaldo no material normativo vigente no país”, sustentou o gigante de tecnologia.

Conforme Paula Sion, advogada criminalista e coordenadora do Grupo de Trabalho sobre a Lei Geral de Proteção de Dados da Comissão de Direito Penal da OAB/SP, um cenário possível é a não exclusão das informações do mundo digital mas sim a desindexação delas nas plataformas de buscas. Ou seja, a imposição de barreiras na internet para dificultar que seja encontrado o nome de determinada pessoa. “A busca recorrente teria restrições”, observou Sion.

Direito ao esquecimento x liberdade de imprensa

“Direito ao esquecimento não está na Constituição, tampouco em alguma lei”, explicou Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito Público Administrativo pela Faculdade Getulio Vargas. “O caso Aída Curi joga luz sobre os direitos à liberdade de expressão e à privacidade”, observou a especialista, ao defender que haja equilíbrio entre essas duas garantias em casos sensíveis, como o que será analisado pelo STF.

Segundo Chemim, prevalece o direito ao esquecimento se o fato publicado for de natureza privada e noticiado anos depois, de modo a expor a(s) pessoa(s) novamente. E acrescenta que os familiares da vítima podem solicitar reparação na Justiça. Mas esse direito fica em segundo plano “quando há interesse público envolvido. Aí, o direito ao esquecimento se torna uma condição secundária”, afirmou a especialista.

Fonte: Revista Oeste